23 de julho de 2012

Como paxaste?

Esta nota refere-se à secção 6 (que pode ler aqui) 


Mercearia antiga
"Numa mercearia ao lado, a gente da geral comia pão com queijo e decilitrava." 
decilitrar (v. intr.) Beber vinho decilitro a decilitro; beberricar.
A geral era (e ainda é, nalguns casos restantes) a zona de bilhetes mais baratos das salas de espetáculos, em que por vezes se tinha má visibilidade para o palco ou em que não havia cadeiras, e os espetadores eram obrigados a ficar de pé. Quem comprava bilhete para a geral era o "povo", as pessoas de menos posses, os que no intervalo saíam para a mercearia ao lado para comer pão com queijo e beber vinho tinto em "copos de dez" (dez centilitros, ou seja um decilitro). Atualmente já não se come nas mercearias e o "pessoal" passou a ir "morfar" "sandes" às "roulotes".

"Os garotos insinuavam-se pelos grupos, gritando:  —  Senhas mais baratas... Quem vende a senha?"
Julgamos que serão senhas distribuídas no intervalo a quem saía para a rua, para garantir que no recomeço só entrava quem tivesse pago bilhete. Ao que parece, havia à época um mercado para estas senhas: quem já não pretendesse regressar depois do intervalo, podia vender a sua senha a quem quisesse assistir à segunda metade do espetáculo sem ter que pagar o preço do bilhete inteiro.

"— Como paxaste?... comentou agre o garoto."
Trata-se de uma expressão informal que encontrámos em revistas e jornais, sobretudo de caráter satírico ou cómico, desde os finais do século XIX até ao primeiro quartel do século XX, e que deixou de ser usada. Será equivalente ao atual "querias?" Curiosamente, a linguagem abreviada dos SMS retomou o "paxaste" como forma rápida de escrita de "passaste".

"— O senhor deixe-me... já le disse."
O rapaz era respeitoso (trata o barão por "senhor"), mas não tinha muita educação (diz "le" em vez de "lhe").

"O rapaz encarou-o muito, entre compassivo e espantado; pareceu refletir; e por fim resmoneou:"
resmonear (v. intr.) Resmungar.

"E a arenga continuava"
arenga (s. f.) 1. Alocução. 2. Discurso enfadonho. 3. Exposição fastidiosa.

"A certas frases, que o barão lhe coava mais baixo no ouvido"
coar (v. pron.) 6. Penetrar, vencendo obstáculos. 7. [Figurado]  Insinuar-se.

"Um Demóstenes do vício." 
Demóstenes (nasceu em 384 a.C. e morreu 322 a.C.) foi um dos maiores oradores da Grécia Antiga.

"o longo bigode cofiado tremulamente pelos dedos emaciados."
cofiar (do francês coiffer, pentear) (v. tr.) 1. Alisar ou afagar com a mão (o cabelo ou a barba).
emaciado (adj.) Magro, desfigurado (por doença).

"a multidão vinha escoando do Salitre para o largo, apressada, muda, apagada na monotonia dos abafos."
Que bela forma de descrever as pessoas que, em fim de festa, ao sair, se deparam com uma noite escura, fria e chuvosa no seu caminho para casa.

"Crescia um grande ruído de pés espatinando a lama." 
Não conseguimos encontrar em dicionário, embora se encontre noutras obras de Abel Botelho e de Fialho d'Almeida. Talvez seja, neste caso, usado com o sentido de patinhar?
patinhar (v. tr.) 4. Deixar marcas de patas ou pés em.

"Raro, algum grupo de rapazes, lestos, corpinho bem feito"
Esta expressão, que ainda é usada atualmente, indica a utilização de pouca roupa sobretudo quando as condições meteorológicas aconselham o contrário. Por exemplo, "queres ir em corpinho bem feito, com este frio?" (em A pedinte de Lisboa, de Alfredo Possolo Hogan, 1859).

"o trilo de uma risada."
trilo (s. m.) 1. [Música]  Ornato na execução musical que consiste na alternação muito rápida, mais ou menos prolongada, de duas notas imediatas. 2. Trinado; gorjeio.

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