15 de julho de 2012

O Barão de Lavos - capítulo 1 - secção 5


Efetivamente, nas imediações do Circo rareava o público e o pejamento da rua desaparecera. Na frontaria farrapenta e mesquinha daquele barracão verdenegro, os dois óculos de venda dos bilhetes, agora a descoberto, fulguravam como olhos de ciclopes, quentes e vermelhos. O noroeste frígido recalcava as lufadas de ar quente, no portal escancarado. Vinham perder-se dilatadamente na aspereza húmida da noite as últimas sonoridades metálicas de um galope sediço. Um estalo de chicote vibrava branco, de quando em quando. O barão, atraído pela sensualidade do espetáculo, foi comprar bilhete. Enquanto o bilheteiro lhe fazia o troco, o bom do velho Price, sentado ao fundo do cubículo, gordachudo e flácido na grande luz do recinto, os dedos entrecruzados beatificamente sob o ventre, dormitava.

Lá dentro a função, a despeito do cartaz berrante, seguia com a monotonia do costume. Depois de uma voltigeuse banal furando arcos de papel de seda, um intermédio cómico pelo primeiro clown, prodígios de equilíbrio de uma criança sobre um arame, cães sábios, barras fixas, um salafrário num cavalo em pelo. O barão, por um fenómeno aliás frequente na dinâmica dos sentidos, arrefeceu, acalmou; e numa intercadência de bom senso, filha de uma reação salutar do organismo, sentiu que se aborrecia muito sofrivelmente. Pôs-se então a mirar pela centésima vez os escudetes das colunas que sustentavam a cúpula central, e a contar as tiras de paninho, alternadamente azuis e brancas, irradiantes do fecho do tecto, em cuja curvatura, sete anos antes, quando fora da inauguração, tão engomada e tão lisa, um ou outro rasgão indiscreto começava a pôr escarninhamente a certidão de idade.

O último trabalho porém da primeira parte reacendeu os instintos pederastas do barão. — Família de acrobatas. Cinco: um hércules monolítico e façanhudo, um rapazola magro, de ossatura agressiva; uma mulheraça toda expluente de adipos; uma criancita franzina, sem sexo, amedrontada, frouxa; e um efebo extraordinariamente elegante. — Fatos cerces de malha cor de carne, modelando escrupulosamente as formas, dando uma impressão do nu quase flagrante, realçada nos mais leves detalhes anatómicos por bem calculados efeitos de luz Drummond.

Faziam trabalhos académicos; reproduziam as composições célebres da estatuária clássica. A rápida sucessão dos grupos, arquitetados a meio da arena, sobre um velho tapete, na crua incidência da luz do magnésio, tinha uma viva arrogância de animalidade, sugeria as demências quentes do sensualismo pagão. A um tempo viril e doce, impetuosa e lânguida, efeminada e rude, aquela mobilidade atormentada, vertiginosa, artística, ensopava os nervos numa alta voluptuosidade, seduzia como uma hetera e dominava como um herói. O barão, todo nos olhos, seguia avidamente a pantomima. Hipnotizava-o principalmente o belo efebo, com o seu rosto de um talhe impecável, o seu colo alvo e redondo, os seus grandes olhos de veludo negro, o seu corpo sólido mas enxuto, de carnes escorrentes, todo em curvas levissimamente cheias, todo num contorno de músculos suavíssimo, numa linha plástica sedutora, todo quebrando-se em não sei quê de feminilmente ondulado e grácil, que a ginástica afinara e consolidara, irrepreensivelmente.

O barão sorvia-lhe, um a um, os movimentos, e em cada atitude, em cada pirueta nova lhe descobria um estímulo, uma sedução mais. O desejo mordia-lhe os nervos. A fascinação tornou-se completa, doida, quase dolorosa. Sócrates não ficou mais inteiramente subjugado, ao seu primeiro encontro com Alcibiades.


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